sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Angustura

Enquanto o tempo corre lá fora a passos largos
ele fica aqui dentro como se sofresse menos,
como se nada soubesse, como se nada fosse,
como se nada houvera, nem amanhã, nem hoje.
E barra o tempo, sopra o vento, está só e invisível.
Com uma bala cravada na garganta seca sem voz.
Carregando uma carcaça cansada, couro e osso!
Brinca sem graça, sem jeito, sem tato e sem hora
pra começar ou terminar... Sem eira nem beira!
Quer viver, no minimo, na medida do impossível.
Se sente possuído ora por um amor intenso e vivo.
Ora, por uma gastura sem doce e sem sal. Amargo!
E fica por aí agoniado,ensimesmado, cabisbaixo,
absorto como um anjo torto, a espantar demônios.
e fica por aí arrastando correntes, numa torrente de
relógios esquecidos, como um jardineiro fiel e triste,
perdido no tempo, plantando e colhendo umas flores
insólitas, num jardim suspenso, entre adubos e delírios.
A sorver doses alopáticas de substâncias controversas.
E tudo é apenas brincadeira e caos, insignificâncias...
Uma ficha que nunca cai, um corpo fora de si, que
insiste em queda livre, ou criar limo, ou criar lodo.
Um todo poderoso que nem sabe qual direção seguir.
Uma criança que está ali à espreita, com a ferida aberta
que nunca para de sangrar. Uma criança caída em choro!
Um santo excomungado, Spinoza em pranto, sem razão.
Um homem, apenas, que se perdeu no meio do caminho,
com uma coroa de espinhos cravada no peito, e uma cruz
que carrega nos ombros, junto com os escombros de uma
alma velha empoeirada, mas com uma luz de brilho tênue
que não se apaga com o vento. Um poeta bom, poeta louco!
Com um pouco de tantas coisas, que nem ele sabe que tem...