domingo, 7 de fevereiro de 2016

Explodindo torpedos

Esse torpedo que me atravessa a garganta
cala meu canto, tira de mim a voz, o verbo,
a palavra, a sílaba, o fôlego, a saliva, o eco,
o grito, o sussurro, o balbucio, o murmúrio...
Faz de mim um rio de lágrimas, dor e medo.
Esse torpedo que me persegue, me explode!
E me lança violentamente contra o muro.
Me reduz a cinzas, me transforma em pó.
Deixando tudo esfumaçado, tudo escuro.
Até que eu sinta tanta dor no mundo...
Que resolvo virar tudo de ponta cabeça.
Misturo versos, com o pó e as cinzas,
derramo em cima água de rosas,
e batom, para dar o tom e a liga.
Amasso com muita vontade,
vou modelando, com cuidado.
Uma nova pessoa, um novo ser,
com sobras do que tinha de melhor
Com muito mais força e mais fibra.
Para explodir torpedos que se atrevam!
Todos!
Estou em estado de carnis levale
E por isso digo adeus à carne.
Que o Rio de janeiro me lave
Que o Salvador me acuda 
Olinda olhe por mim
Recife não fica assim...
Um dia eu ainda volto 
pelos braços da saudade
Hoje eu já sou quaresma
expurgando todos  pecados
pintados na minha cara
cobertos atrás da máscara
vestidos de pierrôcolombina
Então digo adeus à menina
que um dia já esteve aqui
vai chegar quarta de cinzas
e o ano ainda vai começar
É hora da gente sambar
desfilar na avenida
correr atrás de Dodô
dançar aos pés de Osmar
na beira mar da Bahia
Bahia de mãe menininha
e também de dona Canô.
Carnaval me leva, eu vou!
Carnaval me leva, eu vou!


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Lorca!

Se fossem minhas as tuas mãos
e os dedos desfolhassem a lua
faria poesias de morte e de vida
poesias minhas que seriam tuas.
Mas não são minhas tuas mãos
e as minhas longe de serem tuas
separadas por distância e tempo
ainda que a poesia torne possível
qualquer coisa, poesia é sofrimento.
Ficarei aqui, em ânsia e à deriva...
Com sua bala cravada lá no fundo,
bem no fundo da minha garganta,
como uma puta muda que canta
enquanto deixa crescer os cabelos.
ali, lambendo o suor da sua fronte
E depois seguir em frente, morrendo,
como uma  mariposa afogada no tinteiro.


E assim caminhamos...

Vastos campos das nossas guerras infindas...
Detonados, sujos, cheios de dejetos. Ali estão!
Peço trégua. Perdida nesses campos minados.
Peço trégua dessas batalhas insustentáveis, vãs.
O caminho que um dia ali esteve, já não há mais.
Sonhos que sonhamos juntos, se perderam por aí.
Estradas não serão mais percorridas, não há pés!
Caminhadores, sonhadores! Só restaram dores...
O que faremos dos dias escuros que acaso virão?
Plantaremos novas mudas, mudaremos o discurso
abriremos as fronteiras, daremos novo curso ao rio.
entraremos no cio, a fertilizar plantas, bichos, tudo!
Conteremos o grito mudo, engasgado na garganta
nos matando aos poucos como o torpedo de Lorca,
ou nos colocando à forca, ou o coração às rapinas.
Ou veremos novamente as meninas, bruxas inquiridas,
cobiçadas e queimadas nas fogueiras da inquisição.
Daremos quantos passos para trás e quantos à frente?
Quantas burcas, turbantes, xales, biquínis queimaremos
até descobrir que o xis da questão não passa por ali.
Com quantos paus faremos uma canoa, ou coisa assim?
Estaremos à deriva, sobreviveremos a possíveis dilúvios...
Daremos nós em pingo d´agua, murros em pontas de faca
ou apenas caminharemos a esmo nessa multidão, boiada...

Pedaço de alma que carrego na mala

Eu me reconheço nesses olhos entristecidos
na boca entreaberta de dentes amarelados
no gesto trêmulo da pequena mão calejada
parecendo querer algo, desesperadamente!
Qualquer coisa que por acaso tenha sobrado
Seja uma migalha, um farelo, grão ou semente.
uma pequena porção de afeto ou de açúcar
uma bala que lhe atravesse a garganta seca
um biscoito dormido, um sonho de padaria
ou quem sabe, água, ou uma pitada de sal
ou um velho jornal para descansar a nuca...
Eu não pude lhe dar nada mais que um sorriso
e umas míseras rúpias para comprar um pão.
Ficou tatuada em mim para sempre sua imagem.
um  pedaço de sua alma, carrego comigo,
até os dias de hoje.