domingo, 28 de fevereiro de 2021

Eu me reconheço nesses olhos entristecidos
na boca entreaberta de dentes amarelados
no gesto trêmulo da pequena mão calejada
parecendo querer algo, desesperadamente!
Qualquer coisa que por acaso tenha sobrado
Seja uma migalha, um farelo, grão ou semente.
uma pequena porção de afeto ou de açúcar
uma bala que lhe atravesse a garganta seca
um biscoito dormido, um sonho de padaria
ou quem sabe, água, ou uma pitada de sal
ou um velho jornal para descansar a nuca...
Eu não pude lhe dar nada mais que um sorriso
e umas míseras rúpias para comprar um pão.
Ficou tatuada em mim para sempre sua imagem.
Um pedaço de sua alma carrego comigo,
até os dias de hoje...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Tantas presenças nos fazem falta,

tantas vozes soariam como música

em nossos solitários ouvidos... 

tantos toques e abraços apertados

salvariam nossas almas do abismo,

dessa solidão desses tempos vis...

tantos beijos de anis, estrelariam

nossas bocas sedentas e ávidas,

que por vezes se entreabrem

de medo do que está por vir,

que clamam, por assim dizer,

noite adentro, gotas ao menos.

de amor, alegria, esperança...

Que tempos insólitos esses!

 Lonjuras, gasturas, agonias

desejos represados, ansiosos,

inquietude, e tanta solitude,

tanta...



segunda-feira, 12 de outubro de 2020

 Metade nefasta, 

metade é festa 

metade se refastela

 metade se esfacela

metade se resvala em água 

metade se enquadra em régua

metade se esgueira em sombras 

metade se ilumina em trevas

metade se perde na estrada

metade se acha na curva

metade doce, metade amarga

metade cristalina, metade turva

metade inteira, metade metade...

Colo

Meu colo já não conforta nem preenche seu vazio
nem aquece seu frio, nas longas noites de inverno.
Meus ombros já não carregam mais suas queixas,
nem sou mais aquela gueixa do olhar tão terno...
nem minhas mãos secam suas lágrimas ou afagam
sua cabeça, agora, com madeixas  já meio brancas...
Já não sou um porto seguro, um farol na tempestade,
nem nada!
Minhas histórias parecem estórias de Trancoso.
Sem pés nem cabeça! talvez nem mereçam atenção.
Talvez seja melhor estar livre de mim, talvez assim,
suas asas cresçam e alcem vôos para campos mais férteis,
para além das fronteiras da razão...

Nostalgia...

Hoje amanheci com saudade de pessoas que não conheci, de lugares por onde nunca andei, de coisas que nunca fiz, projetos que não concluí, situações que nem vivi... Hoje amanheci me derretendo toda. Procurando minhas asas enferrujadas, cartas amareladas, memórias esquecidas nas paredes mofadas. Hoje amanheci assim, tomada de uma nostalgia, uma coisa, uma gastura sem fim,  procurando sabores e aromas de um tempo perdido no tempo, quem sabe, para suavizar os tempos sombrios de agora...
hoje amanheci em caos e confusão! Soda cáustica engasgada na garganta, um fio de navalha
a percorrer veias e provocar frio na espinha. Pétalas brancas pingando entrepernas, flor roxa sangrando num coração meio vazio, e a voz empedrada, a cantar cantigas silenciosas, quase sussurros, de doer por dentro... na verdade, acho que hoje nem amanheci, o sol não brilhou ainda! 

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Angustura

Enquanto o tempo corre lá fora a passos largos
ele fica aqui dentro como se sofresse menos,
como se nada soubesse, como se nada fosse,
como se nada houvera, nem amanhã, nem hoje.
E barra o tempo, sopra o vento, está só e invisível.
Com uma bala cravada na garganta seca sem voz.
Carregando uma carcaça cansada, couro e osso!
Brinca sem graça, sem jeito, sem tato e sem hora
pra começar ou terminar... Sem eira nem beira!
Quer viver, no minimo, na medida do impossível.
Se sente possuído ora por um amor intenso e vivo.
Ora, por uma gastura sem doce e sem sal. Amargo!
E fica por aí agoniado,ensimesmado, cabisbaixo,
absorto como um anjo torto, a espantar demônios.
e fica por aí arrastando correntes, numa torrente de
relógios esquecidos, como um jardineiro fiel e triste,
perdido no tempo, plantando e colhendo umas flores
insólitas, num jardim suspenso, entre adubos e delírios.
A sorver doses alopáticas de substâncias controversas.
E tudo é apenas brincadeira e caos, insignificâncias...
Uma ficha que nunca cai, um corpo fora de si, que
insiste em queda livre, ou criar limo, ou criar lodo.
Um todo poderoso que nem sabe qual direção seguir.
Uma criança que está ali à espreita, com a ferida aberta
que nunca para de sangrar. Uma criança caída em choro!
Um santo excomungado, Spinoza em pranto, sem razão.
Um homem, apenas, que se perdeu no meio do caminho,
com uma coroa de espinhos cravada no peito, e uma cruz
que carrega nos ombros, junto com os escombros de uma
alma velha empoeirada, mas com uma luz de brilho tênue
que não se apaga com o vento. Um poeta bom, poeta louco!
Com um pouco de tantas coisas, que nem ele sabe que tem...



quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Tempo, todo tempo.

Eu quero tempo, pra virar bruxa, pra tirar sarro,
pra ficar sábia, pra chutar pedras e virar lata...
Eu quero tempo, pra fazer tudo e fazer nada,
pra meditar, plantar e colher. tempo até doer!
Tempo pra cozinhar, gargalhar, sonhar, adoecer.
Tempo pra viajar, pra sedentar,  pra criar limo,
criar peixe, virar bicho, criar asa, abrir a porta
da casa pra quem quiser entrar. Tempo pra amar,
pra acalentar, pra rezar, pra xingar, se desculpar...
Tempo pra envelhecer. Eu quero tempo no mundo,
tempo até morrer!

quarta-feira, 26 de julho de 2017

In gratia cantantes

Meu olhar pousa no seu canto
enquanto seus dedos dedilham
aquelas cordas dissonantes.
Eu, desde sempre e muito antes
até mesmo flutuando em corda
bamba...
Ficaria ali eternamente
ouvindo as dolentes incertezas
do seu samba.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

É pau, é cupim, é navalha cortando a carne... camarada!

Ainda tenho braços para levantar bandeiras, pés para chutar granadas,
mãos firmes à empunhar flores ou adagas. Tenho voz que entoa hinos
ou palavras de ordem, Tenho susto, medo, sorte. Mas coragem não falha,
Nem a memória! Sou navalha que corta carne, chá de losna que amarga.
Flor de lírio, também sou! Se for pra ir para o campo vou. Não fujo da raia!
Me visto de luto, de branco ou de armadura. Rezo para todos os santos,
enterro bem fundo os meus prantos, cantando acalanto ou tocando alfaia.
Ainda tenho asas para sonhar, aditivos, delírios, pão, poesia e devaneios.
Tenho armas que também são de Jorge, Tenho lápis e lapso e lápis lazuli.
livros e canções, e ainda me adorno de sonhos, liberdade, rouge e batom.
Meus inimigos não me alcançarão, nem as suas mãos hão de me tocar.
Tenho fé, tenho vontade de vomitar, tenho ânsia de liberdade e justiça,
Tenho tanta preguiça de responder aos comentários idiotas do  facebook...
Tenho pena de pavão e krishna, mas não consigo perdoar certos pecados.
Estou constantemente dividido entre a paz e a espada. Sou yin e sou yang.
Quando vejo cabeças de papel marcharem em blocos feito zumbis raivosos,
destruindo barracas e sonhos, atirando balas de borrachas nos olhos atônitos
de meninos e meninas que ainda contam histórias e dançam suas cirandas...
Nessa hora sinto gosto de sangue, me lembro de um antigo bangue bangue,
onde os bandidos morrem crivados de balas e as bocas cheias de formigas,
no final! Porque no final o bem sempre há de vencer o mal. Como já dizia
um camarada meu...







domingo, 7 de fevereiro de 2016

Explodindo torpedos

Esse torpedo que me atravessa a garganta
cala meu canto, tira de mim a voz, o verbo,
a palavra, a sílaba, o fôlego, a saliva, o eco,
o grito, o sussurro, o balbucio, o murmúrio...
Faz de mim um rio de lágrimas, dor e medo.
Esse torpedo que me persegue, me explode!
E me lança violentamente contra o muro.
Me reduz a cinzas, me transforma em pó.
Deixando tudo esfumaçado, tudo escuro.
Até que eu sinta tanta dor no mundo...
Que resolvo virar tudo de ponta cabeça.
Misturo versos, com o pó e as cinzas,
derramo em cima água de rosas,
e batom, para dar o tom e a liga.
Amasso com muita vontade,
vou modelando, com cuidado.
Uma nova pessoa, um novo ser,
com sobras do que tinha de melhor
Com muito mais força e mais fibra.
Para explodir torpedos que se atrevam!
Todos!